17/08/2008

Sereias III

Sobre Herberto Helder e ainda as sereias...
(...) Para tanto, sua poesia recusa tapar os sentidos, não se engana com tolices de estratégias infantis, como a de Ulisses, com o uso da cera, pois sabe que o devir mundo, que o devir exterioridade, que o devir Sereia, vale dizer lúdico, estético, artístico, poemático, não têm que se condicionar e se limitar a objetivos e a determinismos econômicos, culturais, familiares, acadêmicos, uma vez que o canto, o canto que encanta, o canto da sedução, que seduz e é seduzido, a um tempo, deve crescer “tomando tudo em seu regaço”, deve, enfim, crescer e se embriagar de vinhos gerais, de sentidos gerais, sem auto-ilusão, sem fracos argumentos de ceras no ouvido, uma vez que a dignidade de sua presença está na proporção da sua abertura auditiva; uma abertura que, mais que ser reduzida e deslibidinizada por objetivos prisionais, como o de ter que se amarrar em mastros, como o de prender-se a uma única família afetiva, mesmo que esta família seja a humanidade inteira, enfim, mais que se limitar a subjetividades e a identidades particulares, sua abertura as envolve também, as inclui, pois sabe que mesmo os mastros fálicos fazem parte da exterioridade e o melhor caminho para deslocar a sua pretensão imperial constitui o de transformá-los em exterioridades entre outras, para além e para aquém de quaisquer formas de exclusividade, diluindo-os, assim, na trama infinita de uma infinidade de outros afetos mundanos.(...)

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